As
casas, edificadas para oferecer segurança e agasalho, mostram-se diferentes
umas das outras. Há as que respiram a secura da terra, as que exalam o perfume
das flores. Umas prolongam-se em varandas, outras miram o céu e se deixam
beijar pelos ventos. Muitas são caixas
fechadas ao riso do sol, à brancura-prata dos luares. Contrastando com os palácios das cabeças
coroadas, existem os casebres cobertos de sapé com reboco e fogão a lenha.
Pequena,
grande, simples, requintada. Não importa. A melhor casa do mundo – rica ou
pobre – é a casa da gente. Um paraíso, cercado de paredes, que abriga,
aconchega, confidencia, liberta.
Casa da gente é abraço de mãe a estender
afagos, a dar boas-vindas sempre. Cada
canto canta um canto de paz. É o único
lugar fechado onde se voa mais alto,
onde se alcança os píncaros das lonjuras. Uma gaiola dourada onde o pássaro
bebe a liberdade. Nela sonhamos, realizamos, viajamos aos mais longínquos
espaços e alçamos, com ousadia, os mais arriscados voos. Como amiga preciosa,
compartilha alegrias, tristezas, conquistas. Sem candongar nossas queixas,
esconde-nos dos maus olhares, dos desafetos, até que possamos sair
refeitos. Sua sombra inspira
canções, sacode medos, recupera doenças, celebra conquistas. É o remanso de
sossegar a alma, os sentimentos, e permite que sejamos nós mesmos, sem
artifícios ou formalidades, sem mostrar o que não somos.
É o lugar de tirar os sapatos, desabotoar a
roupa, desatar o nó da gravata, desapertar o cinto, sacudir a poeira, suspirar,
reclamar, rir, gargalhar, repensar a vida, repartir a mesa sagrada da ceia de
todos os dias. Como um sacrário, faz a
terra se encontrar com o céu no divino poder da oração: “Entra no teu quarto,
fecha a tua porta, e lá estarei contigo.” Ensinou o Mestre sem casa que, por
missão e sacrifício, não teve um lugar para recostar a cabeça.
Casa
de amigos, de mãe, de avó, de filho. Por melhor que seja a recepção e os
agrados, nada se compara à casa onde tecemos o ninho.
Muitas vezes, no correr dos dias, a casa se
torna um lugar comum. E só lhe avaliamos a grandeza, quando nos ausentamos
dela. Ao sair de viagem, por exemplo, a
alegria nos invade. A expectativa de conhecer novos lugares, novos amigos,
novos horizontes, enche-nos de entusiasmo.
Vamos visitando lugares, encantando-nos com as belezas, até que o
coração aperta e, com o passar dos dias, dá uma vontade imensa de voltar. Aí, o
pensamento busca pedaços de nós e costumes vividos. Lembramos nosso quarto, a
sala de televisão, o sofá da leitura prazerosa, o livro de cabeceira e até a
santinha ao lado da cama. Essa angústia amorosa chama-se saudade da casa da
gente. A alegria da saída torna-se menor
do que a alegria da volta. E, ao
abrirmos a porta, a casa inteira nos recebe como o pai recebeu o filho pródigo
do evangelho: “Venha! Tenho para você a melhor veste, um anel para os dedos e
calçados para aos pés.”
Lances
da vida mostram-nos a importância da casa da gente. Pelas histórias da vida
real, sabemos do frequente desabafo de doentes graves: “Doutor, meu maior
desejo é voltar pra casa.” E quando voltam, não querem divertimentos, viagens
ou passeios. Querem voltar e, simplesmente, ficar. Também, os que moram em casa dos outros, sabem
como é difícil estar sempre incomodando e se sentindo fora do lugar. Vivem
momentos inacabados à espera de, um dia, ter o completo encontro com o próprio
coração.
Andarilhos, sem casa, andam vagando, olhar
cismadores e tristes. No entanto, os que se abrigam debaixo de pontes ou em
qualquer cantinho, não querem sair, mesmo quando assistentes sociais desejam
levá-los. Uns experimentam adaptar-se nas casas abrigadoras, mas acabam fugindo
e voltando. Então, são acusados de ingratos, de pessoas que não sabem escolher
o que é bom. Mas, por detrás, está o mistério de amar o cantinho que lhes é
querido por aquietar a miséria. Mesmo ao relento, o precário lugarzinho
escolhido é a casa deles.
Lembrei-me
de uma velha canção chamada Vingança. O autor, não conseguindo aceitar a recusa
ou traição de seu grande amor, diz praguejando: “Você há de rolar como as
pedras que rolam na estrada, sem ter nunca um cantinho de seu pra poder
descansar.” Poeta sensível, sabe que a tristeza e o desalento tomam conta da alma
de quem não tem um cantinho de seu.
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