quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Casa da gente


           As casas, edificadas para oferecer segurança e agasalho, mostram-se diferentes umas das outras. Há as que respiram a secura da terra, as que exalam o perfume das flores. Umas prolongam-se em varandas, outras miram o céu e se deixam beijar pelos ventos.  Muitas são caixas fechadas ao riso do sol, à brancura-prata dos luares.  Contrastando com os palácios das cabeças coroadas, existem os casebres cobertos de sapé com reboco e fogão a lenha.
Pequena, grande, simples, requintada. Não importa. A melhor casa do mundo – rica ou pobre – é a casa da gente. Um paraíso, cercado de paredes, que abriga, aconchega, confidencia, liberta.
Casa da gente é abraço de mãe a estender afagos, a dar boas-vindas sempre.  Cada canto canta um canto de paz.   É o único lugar  fechado onde se voa mais alto, onde se alcança os píncaros das lonjuras. Uma gaiola dourada onde o pássaro bebe a liberdade. Nela sonhamos, realizamos, viajamos aos mais longínquos espaços e alçamos, com ousadia, os mais arriscados voos. Como amiga preciosa, compartilha alegrias, tristezas, conquistas. Sem candongar nossas queixas, esconde-nos dos maus olhares, dos desafetos, até que possamos  sair  refeitos.  Sua sombra inspira canções, sacode medos, recupera doenças, celebra conquistas. É o remanso de sossegar a alma, os sentimentos, e permite que sejamos nós mesmos, sem artifícios ou formalidades, sem mostrar o que não somos.    
É o lugar de tirar os sapatos, desabotoar a roupa, desatar o nó da gravata, desapertar o cinto, sacudir a poeira, suspirar, reclamar, rir, gargalhar, repensar a vida, repartir a mesa sagrada da ceia de todos os dias.  Como um sacrário, faz a terra se encontrar com o céu no divino poder da oração: “Entra no teu quarto, fecha a tua porta, e lá estarei contigo.” Ensinou o Mestre sem casa que, por missão e sacrifício, não teve um lugar para recostar a cabeça.  
Casa de amigos, de mãe, de avó, de filho. Por melhor que seja a recepção e os agrados, nada se compara à casa onde tecemos o ninho.
Muitas vezes, no correr dos dias, a casa se torna um lugar comum. E só lhe avaliamos a grandeza, quando nos ausentamos dela.  Ao sair de viagem, por exemplo, a alegria nos invade. A expectativa de conhecer novos lugares, novos amigos, novos horizontes, enche-nos de entusiasmo.  Vamos visitando lugares, encantando-nos com as belezas, até que o coração aperta e, com o passar dos dias, dá uma vontade imensa de voltar. Aí, o pensamento busca pedaços de nós e costumes vividos. Lembramos nosso quarto, a sala de televisão, o sofá da leitura prazerosa, o livro de cabeceira e até a santinha ao lado da cama. Essa angústia amorosa chama-se saudade da casa da gente.  A alegria da saída torna-se menor do que a alegria da volta.  E, ao abrirmos a porta, a casa inteira nos recebe como o pai recebeu o filho pródigo do evangelho: “Venha! Tenho para você a melhor veste, um anel para os dedos e calçados para aos pés.”
            Lances da vida mostram-nos a importância da casa da gente. Pelas histórias da vida real, sabemos do frequente desabafo de doentes graves: “Doutor, meu maior desejo é voltar pra casa.” E quando voltam, não querem divertimentos, viagens ou passeios. Querem voltar e, simplesmente, ficar.  Também, os que moram em casa dos outros, sabem como é difícil estar sempre incomodando e se sentindo fora do lugar. Vivem momentos inacabados à espera de, um dia, ter o completo encontro com o próprio coração.
Andarilhos, sem casa, andam vagando, olhar cismadores e tristes. No entanto, os que se abrigam debaixo de pontes ou em qualquer cantinho, não querem sair, mesmo quando assistentes sociais desejam levá-los. Uns experimentam adaptar-se nas casas abrigadoras, mas acabam fugindo e voltando. Então, são acusados de ingratos, de pessoas que não sabem escolher o que é bom. Mas, por detrás, está o mistério de amar o cantinho que lhes é querido por aquietar a miséria. Mesmo ao relento, o precário lugarzinho escolhido é a casa deles.
            Lembrei-me de uma velha canção chamada Vingança. O autor, não conseguindo aceitar a recusa ou traição de seu grande amor, diz praguejando: “Você há de rolar como as pedras que rolam na estrada, sem ter nunca um cantinho de seu pra poder descansar.” Poeta sensível,  sabe que  a tristeza e o desalento tomam conta da alma de quem não tem um cantinho de seu.


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